quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O 1º beijo



Estava uma noite de Inverno daquelas horríveis que toda a gente detesta, excepto Vicente, um rapaz de 13 anos, que adorava a chuva, a trovoada e acima de tudo o vento frio que lhe ia batendo na cara, à medida que iam avançando. Vicente estava sentado na parte de trás do carro, com o pai a conduzir e a mãe ao seu lado, assustada. Era o segundo ataque de asma que Vicente tinha. O trânsito não os deixava avançar. Vicente tentava pensar em coisas que o distraíssem pois estava prestes a desmaiar, com o ar a mais que teimava em acumular-se no seu peito, sem querer dar a volta para sair. Quando teve consciência de que poderia morrer se não chegasse a tempo ao Hospital, lembrou-se de fazer uma lista mental de coisas que nunca tinha feito e que queria fazer. Apenas uma coisa lhe veio à ideia. Nisto, lá chegaram finalmente ao Hospital, onde Vicente teve que passar a noite a receber oxigénio e soro. No dia seguinte, já recuperado, Vicente não conseguia parar de pensar na única coisa da sua lista.
Atravessaram a imensidão do espaço quase branco, que dava um ar demasiado pálido às pessoas que ali se encontram, devido à luz artificial. A mistura de cheiros indispunha qualquer um que por ali passava. Desinfectante, éter, remédios, sangue fresco, sangue seco, doença, enfermidade. A mistura do barulho provocado pelos vários ruídos de fundo também não ajudava. Ouviam-se as sirenes desenfreadas das ambulâncias que ora chegavam, ora partiam. Os intercomunicadores tendiam a distorcer as vozes dos anunciantes e dificultavam a identificação do nome de cada doente, deixando-os ansiosos desnecessariamente. Os queixumes de cada um em relação às suas mazelas e em relação ao interminável tempo de espera. Corpos que se torciam nos bancos em que estavam sentados. Corpos que vagueavam por entre aquelas quatro paredes. Corpos que se aventuravam mais além, metendo-se pelos corredores frios e intermináveis adentro.
E é neste ambiente doentio que os doentes ainda se sentem pior e os seus acompanhantes, que geralmente entram saudáveis, saem dali a sentirem-se ligeiramente doentes, quer psicologicamente, quer por vezes até mesmo fisicamente, quando apanham algum resfriado devido às correntes de ar que se fazem sentir, às diferenças de temperatura que variam de sala para sala e aos corredores sempre frios. Os mais azarados podem mesmo chegar a apanhar algum vírus que por ali ande à solta, sempre à espreita, sem nunca perder a oportunidade de atacar os mais fracos.
E foi à saída do Hospital, na sala das Urgências que a viu. Aquela cara laroca emoldurada por uns lindos cabelos louros e encaracolados despertaram-lhe o interesse e o desejo de concretizar aquilo que tinha passado a noite a idealizar. Ela devia ter a sua idade. Ele nem se preocupou com isso nem com o facto de ela ser uma desconhecida e os pais de ambos estarem presentes. A única coisa em que pensava e que queria fazer era dar-lhe um beijo, o seu primeiro beijo, e provavelmente, o dela também. E enchendo-se de coragem lá foi ele a correr em direcção a ela. O beijo foi atabalhoado e deveras estranho para ambos devido à novidade, à surpresa, aos gritos esbaforidos dos pais de cada um. O tempo pareceu parar para os dois jovens que, deixando de ouvir o barulho em redor, se entregaram aquele breve momento que lhe pareceu durar uma eternidade. E o sorriso com que ambos ficaram na cara, não deixou dúvidas de que aquele primeiro beijo “roubado” lhes iria ficar na memória para sempre.

(TPC de Escrita Criativa_O 1º beijo)

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