sábado, 13 de novembro de 2010

A história da Sra. Indecisão




A Sra. Indecisão acordou cedo e, como de costume, vestiu um colete e uns corsários, pois nunca conseguia decidir se sentia frio ou calor. Calçou uns ténis confortáveis porque sabia que se tivesse de ir à rua iria andar a pé fosse para onde fosse porque não conseguiria decidir qual o transporte que deveria apanhar. Os pés, calejados de tanto andar, doíam-lhe, e apesar das unhas sujas e de alguns fungos que teimavam em não desaparecer devido ao descuido, não os lavou, porque nunca conseguia decidir se os devia lavar antes ou depois das suas caminhadas. De seguida penteou o cabelo que lhe dava pelos ombros, sem corte definido, com algumas madeixas, que fez por não ter conseguido escolher uma só cor, e com a sua cor natural já a aparecer nas raízes.
Estava em casa sem saber o que fazer, quando ouviu o telefone tocar, e pensou:
Quem será? Será para mim? Será engano? Devo atender ou ignorar?
A sua estatura e peso mediano deveriam pertencer a um andar decidido, mas não pertenciam e ela caminhou com passos incertos e inseguros até junto do telefone.
E ficou perdida nos seus pensamentos durante o tempo suficiente até este se calar.
Logo de seguida a Sra. Indecisão pensou:
O que faço agora? A lida da casa, vou às compras ou devo ficar junto do telefone e esperar que toque novamente?
Até que perdeu a noção do tempo todo que esteve a tentar decidir o que fazer a seguir e passou a manhã inteira imóvel junto ao telefone que não voltou a tocar, à espera, já nem ela própria se lembrava de quê.
À hora do almoço tocam-lhe à porta e a Sra. Indecisão recomeçou a ter pensamentos semelhantes aos anteriores:
Quem será? Será para mim ou será engano? Devo atender ou ignorar?
E nisto estremeceu de susto com a voz rouca e familiar que ouviu do outro lado da porta, vindo da rua:
- Sei que estás em casa! Abre-me a porta! Sou eu!
A Sra. Indecisão não foi capaz de ignorar a ordem da sua vizinha do lado e abriu-lhe a porta imediatamente.
Cumprimentaram-se e estava tudo a correr bem. A vizinha comentou a decoração da sua enorme casa:
- Que engraçado! Tens poucas coisas, mas todas com estilos tão diferentes.
A Sra. Indecisão continuou calada, até que a vizinha lhe perguntou:
- Queres ir almoçar fora?
Esta pergunta foi um verdadeiro martírio para a Sra. Indecisão, que só teve tempo de arquear as sobrancelhas assimétricas e os seus olhos estrábicos ficaram com um ar perdido e mais inseguro que o normal. E respondeu:
- Sei lá
Não imaginam o chorrilho de perguntas que a pobre coitada teve que ouvir logo de seguida:
- Mas tens fome ou não tens fome? O que queres comer? Mandamos vir ou almoçamos fora? Onde? Sítio barato ou caro? Carne ou peixe? Não me digas que já te tornaste vegetariana! E que tal Sushi? Ou tens nojo?
Isto foi demais para a Sra. Indecisão, que sem conseguir responder a uma única pergunta, deixou-se ficar imóvel sem dizer uma única palavra, e começou a roer as unhas, cada uma pintada da sua cor.
A vizinha como percebeu que não ia obter nenhuma resposta disse-lhe muito a pressa:
- Olha, já percebi que não deves estar com muita vontade de ir almoçar comigo. Falta de apetite, talvez! Deixa lá mulher, fica para a próxima. Tchau tchau! – e saiu porta fora.
A Sra. Indecisão deixou-se ficar imóvel, parada junto à porta, sem conseguir decidir o que fazer, sem conseguir sequer mexer-se, apenas a sentir os segundos, os minutos, as horas, os dias, os meses a passarem por si. Até que sentiu as duas alianças que usava sempre nos dois dedos anelares, agora excessivamente magros, caírem-lhe.

(TPC de escrita criativa - Personagem de uma só dimensão)

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