quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Amar(ras)

Se querer é poder
Só não temos o que não queremos
Somos fracos, cobardes
Desistimos à primeira adversidade
E depois ainda nos queixamos
Da falta de sorte, do azar
Do mau-olhado que alguém nos possa mandar
Nunca admitindo que somos nós próprios os culpados

Somos as amarras que nos prendem
Deixamo-nos amar ou ser mal amados
Acabando sempre por desculpas arranjar
E por mais esfarrapadas que sejam
Teimamos em aceitar
Quando o que devíamos fazer
Era começar a acreditar em nós próprios
Sem nada a perder, nada a temer

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Eu(fo)ria



Tenho tudo a acontecer ao mesmo tempo
E não paro um momento
Nem para descansar
Nem para respirar

Falta-me o ar

Ar a mais que não consegue dar a volta
Enche-me o peito
E sem despeito
Deixa-me a arfar, sem escolta

Falta-me ponderar

Pondero
Não no que quero
Mas no que deveria querer
Ser

Falta-me acalmar

Acalmava se pudesse
Agora não me apetece
Se fosse capaz mentia
Acerca deste estado de euforia

Mas não sei o que me falta

Se soubesse faria
a minha própria euforia

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Fugiste-me




E se eu desistir?
Será que me deixas partir?
Assim sem mais nem menos
Sem tentar evitar o inevitável
A força que tens é inacreditável
Se não soubesse até poderia pensar que é preciso coragem
Mas sei
Chamo-lhe cobardia por não enfrentares os teus próprios medos
Por não me enfrentares
Fugiste-me
E eu deixei-te ir
Preferia estar a dormir

TU_MOR



Amor doentio
Quem me rasga a pele
Presa por um fio
Arde até ao fim o pavio
De uma vela de cheiro doce como mel
Mas é apenas o amargo que fica espalhado no ar
É o fel que se liberta de todo o mal que me fazes
Ainda assim quero voltar a fazer as pazes
E continuar a amar amar amar

O teu amor doentio não é um desafio
É um tumor

Confesso que…



Confesso que não sei o que hei-de confessar
O que pensava estar certo passa sempre a errado, incerto, incorrecto
Há um atrofio banal do qual não me desenvencilho
Como um verdadeiro empecilho que sei que sou e sempre serei

Há dias em que sinto de menos
Há dias em que sinto de mais
Não há cá meio-termo
Para crises existenciais

Penso que penso demais
Em factos banais de toda uma existência
Louca por defeito
Sem nenhuma virtude por excelência

Sonhos destinados
A transformarem-se em pesadelos
De tão emaranhados estarem
Dois ou três novelos

Estranha sensação a de tudo e nada sentir
Silêncio é tudo o que oiço
Nada é tudo o que penso
E daqui não quero sair

Confesso que sei que
Hei-de acabar por confessar aquilo que não queria
Tudo aquilo que me consome
É tudo aquilo que me enfastia

Não durmo nem estou acordada
Sinto-me atabafada à espera do sono que deveria vir em meu consolo
Mas apenas sonhos inteiros vêm desfeitos
Feitos em nada, (im)perfeitos

Será demência?
Seja o que for é uma indecência
Esta dormência demente
Que nada me deixa a não ser sentir-me doente

Nem frio
Nem calor
Insensível à dor
E a tudo em meu redor

Corrente de ar ou ar corrente a vaguear pela minha mente… Éter Na Mente?
Como uma serpente prestes a envenenar o ar
O mesmo ar que me corta a respiração
E que me faz perder a noção do meu bem estar

Confesso que sei sempre o que quero
Talvez esteja a ser um pouco possessiva
Mas só assim me sinto viva
Antes querer…
…do que morrer!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

SONO_II



O que parece ser mais um dia normal na pacata vida de Jota depressa se torna no dia mais esquisito que ele alguma vez teve.
Numa carruagem de um comboio, sentado do lado da janela, vê entrar uma “Estranha” que lhe desperta de imediato a curiosidade. A mulher tem um ar calmo e sereno. É atraente, sem ser bonita e emana o cheiro mais agradável que Jota já sentiu em toda a sua vida. Jota percebe que ela está demasiado próxima dele para lhe poder tirar uma fotografia sem ela reparar e decide tirar-lhe uma foto mental em vez de “meter conversa”. Começa a observar e a registar todos os pormenores acerca desta atraente mulher. Ela tem estatura média. Cabelo castanho comprido, encaracolado e com muito volume, apanhado dos lados. Olhos grandes, castanhos, nariz direito e comprido. É muito pálida. Tão pálida como ele.
Acho que fazíamos um belo par, não achas?
Jota sorri ao pensar isto.
Está vestida com uma saia comprida muito colorida e com um top de alças branco. Tem umas sandálias castanhas calçadas.
O comboio está quase vazio e Jota muda de lugar para poder observar melhor a “Estranha”. Percebe então de onde vem aquele cheiro agradável que sente no ar. A mulher tem uma sacola de verga com alças pendurada no ombro. Dentro da sacola está um molho de girassóis. Jota inspira profundamente aquele cheirinho e imagina qual será a idade dela. Mas logo de seguida desiste de tentar adivinhar porque quando ela entrou parecia ser muito mais velha do que lhe parece agora.
Deve ser daquelas pessoas com idade indefinida a quem nunca conseguimos acertar na idade. Como diria a minha mãe, que também nunca foi boa a perceber a idade das pessoas, deve ter entre os 20 e os 50 anos.
Jota sorri novamente, ao lembrar-se disso.
Começa a ficar inquieto. Está mortinho por lhe tirar uma foto e inconscientemente agarra na máquina pois quer estar preparado assim que lhe surgir a oportunidade. Começa a sentir-se zonzo.
A “Estranha” senta-se junto de uma pessoa que está sentada à janela e Jota repara que esta encosta a cabeça, parecendo ter adormecido instantaneamente. De seguida a “Estranha” levanta-se e sai na paragem seguinte. Jota segue-a com o olhar sem ela se dar conta. Pega na máquina fotográfica e assim que se prepara para lhe tirar uma fotografia de perfil, a “Estranha” vira-se e apercebe-se de que está a ser observada e fotografada.
O que deveria ter sido uma foto do seu perfil, passou a ser uma foto do seu rosto virado de frente com uma expressão de…, Jota não percebe de quê. Não encontra definição imediata para o que registou e está a ver. Os dois trocam olhares por breves momentos. Mas é uma troca de olhares tão intensa e profunda que parece durar uma vida inteira. E Jota lembra-se do que costuma ouvir as pessoas dizerem que quando estamos a morrer, parece que toda a nossa vida e existência passam diante dos nossos olhos numa fracção de segundos. Foi mais ou menos isto que ele sentiu, não com o que passou, mas com o que ainda está para vir. E ficou bastante surpreendido com o que viu.
O que acontece a seguir é aterrador. Outra pessoa senta-se ao lado da que adormeceu e começa a gritar:
- Acudam! Ajudem! Está aqui uma pessoa morta!
Jota nem quer acreditar no que está a ouvir. Levanta-se e vai ver com os próprios olhos. A pessoa que parecia ter sido adormecida pela “Estranha” está realmente morta. Está com um ar muito calmo e sereno, a dormir para sempre.
Jota sente-se confuso e decide sair na paragem seguinte, inverter o sentido da viagem de modo a ficar na paragem em que a “Estranha” saiu, para poder ir à sua procura.

Já na estação observa a correria dos passageiros que saem apresados do comboio para irem apanhar outros transportes, sabe-se lá para onde.
Lá vão eles como formigas para as suas vidas.
O comboio apita, dando sinal de que vai seguir viagem. A estação começa a esvaziar. Jota dá por si, sozinho no meio do átrio, a olhar à sua volta. Está à procura de alguma pista da “Estranha”.
Esperava encontrar-te aqui. Onde é que te meteste? Vá lá, dá-me um sinal.
Repara que para além dele, as únicas pessoas que se encontram no átrio são:
o segurança da estação de comboios, um rapaz com ar jovem mas competente, a empregada do café da estação, também ela jovem, a limpar o balcão, com ar atarefado e um vendedor de jornais de meia idade, sentado num pequeno banco junto a um pequeno quiosque, com ar descontraído.
Quer perguntar ao segurança, à empregada do café e ao vendedor de jornais do quiosque da estação de comboios se viram a “Estranha” mulher mas não tem coragem. O segurança percebe que Jota precisa de ajuda porque este está com um ar perdido e confuso. Decide ir ao seu encontro para o ajudar. Mas o rapaz apercebe-se que o segurança está a ir na sua direcção e antes que este consiga chegar junto a si, sai disparado a correr pela estação fora. O segurança ainda tenta chamá-lo:
- Espere! Volte aqui!
Mas Jota só pára de correr quando percebe que não está a ser seguido pelo segurança “metediço”.
Raios partam o rapaz! Mas o que é que ele quer?
Ai que estúpido que eu sou. Devia ter aproveitado para lhe perguntar pela “Estranha”. Bem agora já é tarde. Pode ser que tenha sorte e ela ainda ande por aqui a passear. Nunca se sabe…

Passa o resto do dia a vaguear pelas ruas próximas da estação de comboios à procura dela mas sem sorte. Isto é algo que irá repetir todos os dias à mesma hora, como se dum ritual se tratasse.

Entretanto na estação de comboios, Manecas, o segurança, está junto ao balcão do café a falar com a amiga Nina, empregada do mesmo.
- Já me viste isto? Hoje deve ser o dia dos malucos. Primeiro a outra dos girassóis, que anda sempre com ar tão calmo, até parece que anda a flutuar pelo ar, hoje sai-me esbaforida a correr pela estação fora que nem uma doida. E agora este com cara de caso. Nunca o tinha visto por aqui.
Nina que também está com ar de caso responde-lhe:
- Cá para mim ele andava à procura dela.
- Achas?
- Acho. Reparaste como ele é tão pálido como ela?
- Claro. É impossível não reparar. Mas que dois.
A meio da conversa reparam que o Sr. Anselmo, dono do quiosque de jornais e vendedor no mesmo, acaba de chegar ao balcão.
- O que vai ser Sr. Anselmo? O costume? - Pergunta-lhe Nina, simpaticamente.
- As melhores bolas, são as do Artolas. - Responde ele.
Aqui convém explicar que o Sr. Anselmo tem o hábito bizarro de só falar a rimar.
E que Artolas é o Artur, dono do café onde Nina trabalha e que a especialidade deste café são as bolas de Berlim. Estas bolas de Berlim são diferentes de todas as outras. Para além do recheio tradicional, têm também os mais diversos recheios de diferentes sabores para todos os gostos. Desde chocolate, morango, amêndoas, natas, até mistas (com queijo e fiambre). Esta última é um sucesso. E Nina tem clientes que saem de propósito na estação do café para as comprar, indo depois a pé para casa ou para o trabalho, na estação seguinte, dizendo divertidos:
- Olhe menina, vou o resto do caminho a pé porque assim queimo as calorias que vou ingerir com estas pequenas delícias.
Nina serve uma bica cheia e uma bola de Berlim com o recheio tradicional e pergunta-lhe:
- Ó Sr. Anselmo reparou como a mulher dos girassóis ia hoje apressada? E no rapaz tão pálido como ela que apareceu no comboio a seguir? Parecia mesmo que estava à procura de alguém. Eu acho que era dela. Não acha?
- Sou só eu ou mais alguém acha que eles vêm do além?
Manecas ri-se divertido com o comentário e diz:
- Eh que exagero, Sr. Anselmo. São estranhos e pálidos, mas não são almas penadas. São de carne e osso.
O Sr. Anselmo vê um cliente parado junto do seu quiosque, bebe a bica à pressa, faz sinal a Nina para guardar o resto da bola de Berlim e sai apressado do café para o ir atender. Os dois amigos continuam a conversa:
- Como é que sabes? Já tocaste em algum? - Pergunta-lhe Nina que é tão curiosa que não descansa enquanto não descobre tudo sobre algo que a esteja a intrigar, e que para isso nunca exclui nenhuma hipótese, por mais tola que possa parecer.
- Por acaso já. Ela hoje chocou comigo e ia caindo.
- Chocou contigo? Como?
- Saiu a correr do comboio, a olhar para trás, e esbarrou comigo.
- Está a ver como é estranho? Ela anda sempre tão devagar e com ar tão calmo.
- Pois, mas hoje não. E depois de esbarrar comigo, deixou cair a sacola.
- Com os girassóis?
- Sim. Apanhou-a à pressa, desviou-se de mim e saiu a correr da estação.
- Que estranho.
- No meio da confusão, deixou ficar no chão um girassol que lhe caiu da sacola.
- A sério? - Nina não consegue disfarçar o espanto.
- Não, a brincar. Claro que é a sério. E eu ainda o apanhei e fui a correr atrás dela para lho devolver, mas perdi-a no meio da confusão de gente a sair apressada da estação.
- E o que é que lhe fizeste? Não me digas que mandaste fora. São tão bonitos.
- Não, claro que não. Guardei-o na salinha dos perdidos e achados. Arranjas-me um copo com água? O mais alto que tiveres? Vou deixá-lo lá, mesmo ao lado do meu cacifo. Vai ficar na mesinha em frente à janela. Assim apanha sol.
- Boa ideia.
- Cheira tão bem. Sempre pensei que o cheiro dela era de algum perfume que usasse, mas afinal não. São os girassóis que têm aquele cheiro. Ah é mágico. Tens de lá ir cheirar.
- Posso ir lá agora levar o copo de água. Ficas aqui a dar um olhinho?
- Fico. Vai lá. Vais ficar maravilhada.

Já é tarde. Jota desiste das buscas e regressa à estação. Está encostado a um pilar a espreitar os dois jovens que continuam a falar dos acontecimentos do dia. Está demasiado longe para conseguir ouvir a conversa, mas consegue perceber a amizade e até mesmo algo mais que une aqueles dois. O à vontade com que falam, a proximidade dos seus corpos, os olhos a brilhar sempre que olham um para o outro. Por uns breves momentos sentiu-se só no mundo e desejou vir um dia a ter alguém com quem partilhar uma intimidade assim. Lembra-se da “Estranha” e pega na máquina. Observa uma vez mais o seu rosto, para si perfeito, e pensa na legenda que a sua foto terá:
“Estranha Esperança.”
É essa a expressão tão difícil de decifrar no rosto daquela bela mulher: Esperança.
Jota continua zonzo e começa a sentir uma estranha sensação de formigueiro na barriga. Não se sente nada bem mas não percebe o que se passa consigo.
Fica por ali mais um pouco a pensar em tudo o que lhe aconteceu e decide que no dia seguinte irá à procura dela, uma vez mais, no mesmo sítio, à mesma hora.

Já é noite e chega a casa cansado. A busca não deu em nada e ele sente-se zonzo e confuso. Prepara-se para ir trabalhar mas algo de estranho se passa com ele. Sente-se doente. Pela primeira vez em muito tempo tem sono. Como perdeu o apetite decide saltar o jantar e ir tomar o seu banho de imersão:
Pode ser que relaxe um pouco.
Começa a despir-se, mas assim que fecha a torneira e apalpa a água morna para verificar se está na temperatura ideal, começa a bocejar descontroladamente e o sono é tanto que tomba no chão e adormece instantaneamente ali mesmo.
Este estranho ataque de sono é algo novo e perturbador.

Dorme durante 8h seguidas. Acorda de madrugada deitado no chão frio da casa de banho, em posição fetal, cheio de frio porque só tinha umas cuecas vestidas quando adormeceu. Está todo estremunhado e sente-se assustado quando percebe o que acabou de lhe acontecer:
Adormeci e sonhei pela 1ª vez.
Está atordoado e confuso com esta nova experiência e sabe, sem saber como, que foi a “Estranha” que lhe provocou sono. Precisa de respostas e sabe onde as conseguir. Tem de a encontrar novamente.
Como ainda não são 8h00 e devia estar a trabalhar, lembra-se que Hugo “Boss” deve estar preocupadíssimo consigo, a pensar que ele deve ter tido algum acidente e que provavelmente deve ter morrido. É a primeira vez que falta ao emprego. Nunca fica doente nem nunca se atrasa. Ainda por cima nem teve tempo de avisar. Como não tem telemóvel nem telefone em casa, sai a correr para a rua até encontrar uma cabine telefónica. Liga de imediato. Tinha razão: o “Boss” está muito preocupado com ele e quando Jota lhe conta por alto o que lhe aconteceu, a sua reacção é a seguinte:
- Oh não man, não me digas que estás com alguma doença terminal ou algo do género. Como é que é possível? Tu não dormes nem sonhas. Não pode ser. Não é possível.
- É possível sim. Foi o que aconteceu. Não tive tempo para nada. Foi tiro e queda.
- Mas como man?
- Sei lá! Desconfio do que terá sido, mas ainda não tenho provas. Preciso de tirar uns dias de férias. Pode ser?
- Claro man. Então não. Tira o tempo que for preciso para te pores bom. Preciso de ti aqui, logo que possas. Sabes como é… isto sem ti não é a mesma coisa.
- Ahahah vais sentir falta dos meus bolinhos, ah pois vais. – Diz-lhe Jota a rir para tentar animá-lo.
- Nem me fale nisso. Mas olha porque é que não me vens visitar, sempre que não estiveres a dormir (ao ouvir isto Jota dá uma valente gargalhada e interrompe a conversa):
- Que exagero! Só aconteceu uma vez. Nem sei se vai voltar a acontecer.
- Vais ver se não vai. É o princípio do fim, man. Mas voltando ao que te estava a dizer. Podes-me vir visitar e trazer-me os bolinhos milagrosos para o chá das 05h00 sempre que tiveres novidades. Sempre é uma maneira de me deixares a par da situação, e de me evitares uma depressão.
- Está combinado.
- E já sabes que podes contar comigo para o que der e vier.
- Eu sei. Obrigado. Tenho de ir.
- Fica bem e cuida-te, man. Cá te espero.
Hugo desliga o telefone e vai direito à casa de banho. Tem de ir refrescar a cara. Está tão preocupado com Jota. Percebe que o que lhe aconteceu não é normal nem pode ser bom sinal, e o pior é que sabe que não pode fazer nada para ajudar.
É esperar para ver, man. Não te preocupes, há-de correr tudo bem.

No dia seguinte Jota volta à estação, à mesma hora, na esperança de ver a “Estranha”.
No meio da confusão de gente a sair do comboio repara no “trio maravilha”, nome que dá àquele grupo de amigos. Mal sabia Jota que os seu caminhos acabariam por se cruzar.
Primeiro repara na empregada de balcão do café. É uma rapariga com ar muito jovem, baixa e magra. Tem uma cara bonita onde se destaca um nariz redondo e pequeno. Tem cabelo preto comprido, com franja curta. Veste-se de preto e usa um lenço colorido ao pescoço. Jota irá reparar mais tarde que ela deve ter mais de 30 diferentes porque costuma usar lenços todos os dias durante um mês inteiro, sem nunca os repetir. Irá descobrir também que ela, para além de gostar de lenços, quer ter sempre a garganta protegida, porque o seu sonho é ser cantora. E farta-se de trabalhar no café do Artur para poder pagar as aulas de canto particulares de que tanto gosta, pois ambiciona ser cantora de musicais. Tem um Piercing no nariz.
De seguida repara no segurança. Também tem um ar muito jovem. Ao contrário da rapariga, é alto, bem constituído, músculos bem definidos, testa alta, queixo quadrado e tem um ar competente e decidido. Está a observá-lo com ar atento quando de repente se ouvem os gritos de uma mulher.
O segurança sai disparado a correr para o sítio de onde se ouvem os gritos. Já se está a formar um amontoado de gente e Jota não consegue perceber o que se passa. Mas ouve um homem a falar alto:
- Acalma-te lá ó tótiço, se não queres que te faça o pescoço num chouriço.
Jota conseguiu perceber que fora o Sr. do quiosque quem falara e viu-o no meio de uma mulher e de um homem. O segurança chegou junto deles e perguntou:
- O que se passa aqui?
O homem respondeu:
- É aqui o velhadas (apontou para o Sr. do quiosque) que se está a meter com a minha mulher.
- Porque é que estás a mentir? Eu bem que vos vi a discutir. – Diz-lhe o Sr. do quiosque. E depois olha para a mulher e diz:
- Eu a pensar que a Sra. precisava de ajuda, mas de repente ficou muda.
A mulher olha para ele com ar embaraçado e diz:
- Obrigada. Não precisava de se ter incomodado. Foi só um mal entendido com o meu marido.
O marido da Sra. continua a refilar e o Sr. do quiosque ainda lhe diz:
- Vamos lá a acalmar, que eu só estava a tentar ajudar.
Ao qual o homem, que já se está a afastar, ainda reclama com ar bruto:
- Para a próxima mete-te na tua vida, velho dum raio, a Sra. tem aqui o marido, não precisa de ajuda nenhuma.
O segurança dá umas palmadinhas no ombro do Sr. do quiosque:
- Ó Sr. Anselmo, já tinha idade para ter juízo. Então agora mete-se com elas até quando os maridos estão por perto? Olhe que não devia. – Sorri divertido.
- Antes mal acompanhado do que só e chateado. Obrigada rapaz pela ajuda e conselhos que me dás. Está na hora de ir comer a papinha da tua amiguinha.
- Está na hora do lanche? Disfarce lá que eu assobio. – Põe-lhe o braço à volta dos ombros e vão os dois abraçados em direcção ao café.
Jota fica mais uns momentos, parado num canto a observá-los, e depois decide seguir caminho. Pensa em seguir o mesmo trajecto do dia anterior pelos arredores daquela estação de comboios, em busca da “Estranha”. Quando está prestes a sair da estação, Manecas vê-o ao longe e comenta com os outros dois o que andará aquele sujeito a fazer ali. É a segunda vez em dois dias que ali aparece e tem um ar suspeito, tão suspeito como a mulher dos girassóis.

Jota começa a ir todos os dias, à mesma hora ao sítio onde a viu pela 1ª vez. Apanha sempre o mesmo comboio e faz o mesmo trajecto de modo a ir dar à estação de comboios onde a viu sair. Chegado à estação, mete-se novamente pelas ruas mais próximas em busca da “Estranha” mas não há meio dela aparecer. Os dias passam e não há sinal dela.
O rapaz anda tão ansioso à sua procura que um dia Manecas, que o tem observado de longe, sem este saber, mete finalmente conversa com ele.

- Bom dia! É hoje que me vai explicar o que vem aqui fazer todos os dias à mesma hora?
Jota fica surpreendido, porque tinha tentado ser o mais discreto possível nas suas rondas e pensava que ninguém tinha reparado nele, muito menos aquele jovem, que parecia só ter olhos para a amiguinha. Afinal enganara-se.
- Não tens nada a ver com isso. – Sente-se envergonhado por ter tratado o rapaz por tu e pede desculpa:
- Desculpe tratá-lo por tu, mas parece-me que somos mais ou menos da mesma idade.
Manecas fica à espera do resto da conversa, que não chega, porque Jota se calou de imediato. Os dois ainda ficam uns momentos em silêncio, que Manecas quebra de seguida:
- Não tem importância. Dito dessa maneira faz sentido. – Estica-lhe a mão direita para se apresentar, ao mesmo tempo que diz:
- Sou o Manecas, prazer. Em que posso ajudar-te?
Jota não lhe dá um aperto de mão, limita-se a fazer um pequeno gesto, que faz lembrar um aceno e diz:
- Jota. Preciso de encontrar a “Estranha”.
- Desculpa?
Jota repete o que tinha acabado de dizer.
- Qual “Estranha”?
Jota pôs um ar pensativo, de quem está a tentar organizar as ideias para conseguir explicar tudo da melhor maneira, logo à primeira vez, mas Manecas é mais rápido e diz-lhe:
- Acho que percebi. Chamas-te Jota e andas à procura da mulher dos girassóis?
Jota responde-lhe com um redondo e sonoro SIM e Manecas repara no brilhozinho que de repente lhe apareceu nos olhos e sorri-lhe.
- Pensava que se conheciam.
- Não. – Responde Jota embaraçado. – Aliás, sim. Quer dizer, não. Só nos encontrámos uma vez. Mas eu preciso de voltar a vê-la.
- Deixa-me adivinhar… era atrás dela que ias a correr esbaforido na semana passada, quando vieste aqui parar à estação, pela primeira vez?
- Exacto.
- Porquê? O que aconteceu?
- É uma longa história.
- Ó meu amigo, tenho o dia todo. E tu também não me pareces ser muito ocupado. Sei que passas o dia a rondar os arredores da estação, por isso…
- Como é que sabes? – Jota interrompe surpreendido.
- Faz parte do meu trabalho observar pessoas.
- O que me podes dizer da “Estranha”? Costuma andar por aqui? Quando?
- De vez em quando. Mas olha que não aparece todos os dias, se é isso que queres saber.
- Então quando é que volta a aparecer?
- Isso é que eu já não sei. Dá-me ideia que não tem dias certos.
- Achas que a tua miúda sabe? Ou o homem dos jornais?
- A minha miúda? Qual miúda?
- A tua amiga do café.
-Porque é que dizes que ela é a minha miúda?
- Porque se não é, devia ser.
- Que disparate.
- Disparate o teu, em não assumires. Ainda por cima ela também sente o mesmo.
- De que é que estás a falar?
- Gostam um do outro. Assumam.
- Não fales do que não sabes.
- Sei o que vejo.
- Pois, deves ver mal. Porque não se passa nada entre mim e a Nina. Somos apenas bons amigos e companheiros de casa.
Por enquanto.
Jota resolve não tocar mais no assunto porque percebe que Manecas ficou um pouco confuso com esta descoberta.
- Mas achas que ela pode ajudar ou não?
- Talvez. A Nina é daquelas pessoas que têm mil e uma soluções para tudo, sempre. O problema é que quando começa a divagar já não pára e por vezes afasta-se tanto da questão inicial, que acabam por se gerar umas confusões tremendas. Mas pode ser que tenhas sorte e que ela se lembre de alguma coisa que me tenha escapado a mim.
Lá vão os dois em direcção ao café ao encontro de Nina.
- Bom dia. O que vai ser?
- Nada obrigado.
- Nina, apresento-te o Jota. Jota esta é a Nina.
- Prazer.
- Prazer. – Nina está com um ar curioso e entusiasmado a olhar para Jota. Já tem mil e uma histórias acerca dele e da mulher dos girassóis a formarem-se na sua cabeça.
- Nina, aqui o Jota precisa de toda e qualquer informação que tenhamos acerca da mulher dos girassóis. Lembras-te de alguma coisa? Quando é que ela costuma aparecer?
- Não sei. Não me parece que tenha dias marcados. Mas podemos ficar com o teu contacto para o caso dela aparecer. Assim escusas de vir cá todos os dias à sua procura.
- Obrigado, mas prefiro vir e procurar.
- Mas afinal porque é que a queres encontrar? – Pergunta Manecas.
E Nina responde muito à pressa:
- Ah já sei, não me digas que ela te assaltou naquele dia? Por isso é que saiu disparada a correr e logo de seguida apareceste tu esbaforido atrás dela…
- Nina que disparate! Não foi isso que aconteceu pois não? – Pergunta Manecas a Jota, só para confirmar.
- Não. – Jota sorri mentalmente e pensa:
Mas que grande imaginação que esta miúda tem. O amigo tem razão, soluções são coisa que não lhe falta.
- Disparate nada. Podia ter acontecido.
- Mas não foi isso que aconteceu. – E Jota, sem se dar conta do que está a fazer começa a contar aos dois desconhecidos tudo o que aconteceu. Conta-lhes toda a sua vida, desde que nasceu até hoje, passando pelo facto de nunca ter dormido nem sonhado até ter tido aquele breve encontro com a “Estranha” e de como tem a certeza de que foi ela que de alguma maneira lhe provocou sono e o pôs a dormir e a sonhar pela primeira vez. De como anda confuso e ansioso por a encontrar novamente e de como desconfia do seu envolvimento na morte do passageiro, ao lado de quem se sentou. Nina fica escandalizada com esta parte da história, mas parece achar tudo o resto normal.
Quando acaba, os dois jovens estão muito sérios a olhar para si.
Manecas é o primeiro a falar:
- Desculpa mas não estás à espera que acredite no que acabaste de me contar, pois não?
- Não. Mas achei que depois de me tentarem ajudar, o mínimo que podia fazer era ser sincero e contar-vos toda a verdade sobre mim e o que tenho passado depois de ter tido aquele encontro com a “Estranha”. Só assim poderiam ficar a perceber porque é que é tão importante voltar a encontrá-la. Eu sei que é muita informação, ainda por cima fora do normal, assim de repente, mas espero que compreendam e percebam a minha urgência em descobrir tudo o que possa acerca ela.
Jota olha para o relógio e diz-lhes:
- Desculpem mas está na hora da minha ronda pelos arredores. Obrigado e desculpem.
Desejem-me sorte. – Os velhos hábitos são difíceis de perder.
Nina e Manecas estão sem palavras. Mas pudera, depois de uma história incrível como esta, quem é que não ficaria?