domingo, 26 de dezembro de 2010

Dicas...

O modelo “clás­sico” de nar­ra­tiva é aquele em que um pro­tag­o­nista activo e inter­es­sante tem um objec­tivo defi­nido e impor­tante mas encon­tra no seu cam­inho obstácu­los difí­ceis de ultra­pas­sar. Este modelo tem, pois, alguns pres­su­pos­tos: o pro­ta­go­nista é ativo, ou seja, faz as coi­sas acon­te­ce­rem, não se limita a andar ao sabor dos acon­te­ci­men­tos; é inte­res­sante, no sen­tido em que tem carac­te­rís­ti­cas que moti­vam a iden­ti­fi­ca­ção, empa­tia ou fas­cí­nio do espec­ta­dor; tem um objec­tivo claro e impor­tante, que se não for alcan­çado terá con­seqên­cias gra­ves na sua vida; e encon­tra obs­tá­cu­los e difi­cul­da­des para alcan­çar esse o objec­tivo, sem os quais a estó­ria não seria dra­má­tica, ape­nas um pas­seio. Robert McKee, recordo ainda, acres­cen­tava mais duas carac­te­rís­ti­cas que con­vém recor­dar: esta nar­ra­tiva clás­sica decorre numa rea­li­dade con­sis­tente e cau­sal, ou seja, em que as regras não mudam a meio e há uma lógica de causa e efeito; e a estó­ria tem de ter um final fechado, con­du­zindo a uma situ­a­ção radi­cal­mente dife­rente da inicial.

Uma estó­ria clás­sica começa pois com a colo­ca­ção de uma ques­tão dra­má­tica ao pro­ta­go­nista, à qual ele tenta res­pon­der lançando-​​se num per­curso que vai sendo reche­ado de novas ques­tões dra­má­ti­cas, e em que a única ver­da­deira regra é man­ter o espec­ta­dor per­ma­nen­te­mente curi­oso acerca do que vai acon­te­cer a seguir. Vimos que para o con­se­guir o gui­o­nista deve apos­tar em duas coi­sas: con­flito — os obs­tá­cu­los e difi­cul­da­des que o pro­ta­go­nista tem de enfren­tar — e sur­pre­sas. Pela selec­ção des­sas fon­tes de con­flito e sur­pre­sas o gui­o­nista cria o enredo da sua estó­ria, ou seja, a suces­são dos acon­tec­i­men­tos neces­sá­rios e sufi­cientes para a contar.

Vimos ainda que este enredo toma nor­mal­mente forma den­tro de uma estru­tura clás­sica, que é defi­nida como “o para­digma dos três actos”. Ou seja, a estó­ria é posta em mar­cha por um deter­mi­nado acon­te­ci­mento que lança a ques­tão dra­má­tica (o gati­lho ou cata­li­za­dor); arranca a par­tir do momento em que, no fim do 1º acto, o pro­ta­go­nista decide tomar nas suas mãos a solu­ção do pro­blema (1º ponto de vira­gem); se desen­volve numa suces­são de pas­sos pro­gres­si­va­mente mais difí­ceis até que, no final do 2º acto, o pro­ta­go­nista se encon­tra na reta final para a con­clu­são (2ª ponto de vira­gem); e ter­mina de forma con­clu­siva num grande con­fronto final (o clí­max).

Já vimos tam­bém, na aná­lise do pro­ta­go­nista, como este é defi­nido pelas suas esco­lhas. Ou seja, em cada momento da estó­ria, quando con­fron­tado com um obs­tá­culo, uma difi­cul­dade, em dilema, o pro­ta­go­nista tem de esco­lher um rumo de acção. A opção que toma revela a sua per­so­na­li­dade e influ­en­cia o pro­gresso da estó­ria. É isto que define o que eu chamo de “meca­nismo de pro­gres­são dramática”.


João Nunes

http://joaonunes.com/2009/curso-de-guionismo/curso-rapido-o-mecanismo-de-progressao-dramatica/

sábado, 18 de dezembro de 2010

CALAR por ACABAR a FALAR de NADA




Somar para subtrair
Multiplicar para dividir
Analisar para excluir
Equacionar para descobrir
Arredondar para definir
Roncar para não deixar dormir
Tossir para incomodar
Gritar para aliviar
Espirrar para os olhos fechar
Remar para alcançar
Fazer por isso
Só porque sim
Ou só para encher chouriço
Complicar ou simplificar
Para distrair ou para enterrar
Andar para acalmar
Falar para soltar
CALAR por ACABAR a FALAR de NADA!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

FALTAS-ME




A tua inocência e a falta dela
A tua dignidade sempre paralela
A tua beleza interior visível para mim
A tua falta de maldade, mesmo quando és ruim

A tua amabilidade
O teu amor
A tua afinidade
A tua coerência… pura demência

Tudo e nada bate certo
Quando te tenho por perto
Interior e exterior
O teu calor humano emana amor

Fazes-me falta… não me faltes
///////////////////////////////////
*** Para o meu J *** Obrigada por tudo... sempre... ***

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

PORQUÊ?




Hoje sinto-me pequena
Pequena não, minúscula

Porque é que peço ajuda a alguém quando na realidade já tenho a minha decisão tomada?
Porque é que passo a vida a cometer os mesmos erros sempre de enfiada?
Porque é que me preocupo tanto com os outros quando sei que na realidade se estão a cagar para mim?
Porque é que toda a gente mente mentiras sem fim?
Porque é que insisto tanto em querer ser mãe se nem tomar conta de mim eu sei?
Porque é que sinto que (me) desperdicei…?

Hoje sinto-me pequena
Pequena não, minúscula

E com aquela sensação de que jamais irei crescer
Hoje estou na fase dos “Porquê?”
Só porque estou a precisar de desabafar
Só porque tudo cá dentro me está a doer

Hoje sinto-me pequena
Pequena não, minúscula

E nem sei bem PORQUÊ...

domingo, 12 de dezembro de 2010

O dia de Natal




Natal! A altura mais bonita do ano inteiro. Aquela pela qual espero ansiosamente. No início de Dezembro faço o presépio mais lindo que me é possível fazer. Coloco sempre os três reis magos atrás de uma pequena colina, feita de musgo, apanhado nos quintais das traseiras da minha casa. E todos os dias, os faço avançarem em direcção ao menino Jesus, ajudando-os a darem um passo pequenino, tal como eles.
Já é noite, e espero ansiosamente a chegada da família toda. Somos muitos, vivemos longe uns dos outros, mas somos muito unidos e isso nota-se sempre nesta altura do ano. Olha estão a bater à porta, devem ser eles.
Rita abre a porta e exclama de alegria:
És tu! Ai prima, estás tão linda! Que saudades! – diz isto enquanto dá um abraço forte e sincero à prima, que o recebe sem demonstrar qualquer emoção e pensa:

Pronto, começou o martírio! Que Inferno de vida a minha! Por isso é que eu detesto esta altura do ano! Tenho que ser simpática para pessoas que passo o ano inteiro sem ver e sem me lembrar delas, por isso mal as conheço. Tenho que sorrir só porque são família, e se não o fizer pode parecer mal. Tenho que gastar todo o dinheiro extra que recebo em futilidades inúteis. Tenho que fingir que acredito nas palavras carinhosas desta invejosa que sempre me detestou. Tenho que pôr o meu melhor sorriso e retribuir os seus elogios. A única parte boa no meio desta tortura/hipocrisia toda, são os doces. E lá isso, ela faz bem! Aproveito sempre para tirar a barriga de misérias e comer tudo o que posso nesta altura. Mas sei que mereço! É recompensado um ano inteiro de sacrifícios pela dieta. Olha, estão a tocar à porta. São eles.
Joana vê Rita abrir a porta e exclamar de alegria:
São vocês!
Joana esforça-se por esboçar o seu melhor sorriso, enquanto pensa novamente: Que Inferno de vida a minha!

A sala está sem dúvida bem decorada, pensava ela, presa no seu canto, sem se conseguir mexer. Aliás, tanto quanto sei, a casa inteira está um mimo. Daqui não consigo ver, mas já ouvi dizer, e a julgar pelo que vejo à minha volta, deve estar toda lindíssima. A Rita esmera-se sempre, mas este ano caprichou. Pudera! Está mais feliz do que é normal. Eu até já sei qual o motivo de tanta felicidade, mas como deve ser surpresa, não vos vou contar. Pode ser que tenham sorte e que ela decida contar a meio do jantar. Chega de falar dos outros, agora vou falar um pouco de mim e de como esta altura do ano me deixa deprimida, especialmente este dia. No princípio de Dezembro, quando tudo começa, sou limpa, acarinhada, mimada, decorada. É o dia mais feliz que tenho. Depois a cada dia que passa, sinto o afastamento, a falta de atenção, a estagnação, o abandono, o esquecimento. Sei que este dia não seria o mesmo sem a minha deslumbrante presença, mas custa-me não ter a atenção nem o reconhecimento merecido. É por isso, que este é o pior dia de sempre para mim. O dia em que me sinto só, apesar de ter tanta gente à minha volta. Abandonada, como uma sombra. É triste estar presente mas não ser notada, querer participar, mas ser posta de lado. É triste a vida de uma simples Árvore de Natal!

Deixa-me dormir mais um pouco, por favor! A tua alegria e excitação não me deixam sossegar. Está bem, sinto a energia do chocolate que estás a comer. Obrigada mamã, são os meus favoritos! Ainda não te conheço, mas sinto o que se passa aí fora através de ti, das tuas emoções, dos teus sentimentos, das tuas reacções e dos alimentos. Um dia hei-de saber… quando me deres à luz.

Depois do jantar, bem comido e bebido, bem falado, mal amado, depois da troca dos presentes, depois de verdades, mentiras, saudades, eis que chega ao fim mais um dia de Natal, diferente, mas igual a tantos outros, porque durante toda a nossa vida, todos os dias, sorrimos às pessoas que mais detestamos, acarinhamos quem nos despreza, invejamos ou sentimos inveja da parte de quem nos ama, caímos no erro de nos rodearmos de pessoas que sistematicamente nos fazem mal, só porque gostamos delas, mesmo quando nos fazem sentir miseráveis. Por isso, deixo-vos uma pequena grande sugestão: não se prendam a amores impossíveis, pois possivelmente será o amor a encontrar-vos, não se deixem rodear por quem vos faz ou fez sofrer. Viver não significa sofrer, significa buscar e encontrar a felicidade, onde quer que ela possa estar, a começar por nós próprios, interiormente. Agarrem-se às pessoas que fazem o possível e o impossível para vos ver sorrir sempre, nos bons e nos maus momentos. Encontrem o equilíbrio de que necessitam, seja ele interior, exterior, a sós ou acompanhado. Procurem o que vos faz realmente felizes. Aquilo que vos dá força para acordarem de manhã, e enfrentarem mais um dia neste mundo, por vezes cruel. Mais uma noite escura e fria. Procurem a força que vos move, seja material, física, espiritual, outra pessoa ou vocês próprios. Mas, seja o que for, agarrem-se a isso com toda a garra que tiverem, sem nunca largar, sem nunca duvidar. Conscientes, tal como eu, de que assim se passou mais um dia de Natal, mas ficou a certeza do que se quer nos outros dias todos, até ao próximo. Eu quero ficar a dormir na minha caixa. Por isso, se não ligarem nenhuma ao que acabei de dizer, não me importo, porque estou consciente de que tudo isto foram as divagações de uma simples Estrela de Natal.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A história do Capuchinho Vermelho (do ponto de vista da avozinha)



Era de manhã bem cedo, estava eu ainda a dormir quando de repente me bateram à porta.
- Ai valha-me Deus! Que susto! Quem é? – gritei eu.
Ouvi uma voz delicada responder educadamente:
- A Srª desculpe, mas é uma emergência…
- O quê?! – gritei eu novamente. A idade avançada não perdoa e já estou um pouco surda.
- Não se importa que use a sua latrina? Reparei que tem aqui uma no quintal… - respondeu-me a voz delicada.
- Nem pensar! Que descaramento! Incomodar-me a estas horas, ainda por cima para me vir sujar a casa… Nem pensar!
- Mas eu não quero entrar em sua casa. Só preciso que me deixe usar a latrina que está aqui fora. Prometo que deixo tudo limpinho, e se quiser, até lhe limpo o quintal.
- Já disse que não! Que chatice!
- Mas não está a perceber… estou prestes a rebentar… - disse a voz cada vez mais aflita.
- Vai rebentar longe! – respondi-lhe eu irritada.
Nisto comecei a ouvir uns barulhos estranhos. Espreitei pelo ralo da porta. Aquela voz delicada pertencia ao Lobo Mau e os barulhos estranhos à sua barriga. O desgraçado estava mesmo prestes a rebentar.
- Raios partam aquelas malditas ervas! – ouvi-o dizer - Mas o que é me havia de dar na cabeça para me querer tornar vegetariano? É bem-feita! Agora sofres!
Vi o Lobo começar a contorcer-se com dores. Não resisti e comecei a gozar com ele:
- Com que então vegetariano?! Onde é que já se viu uma coisa dessas…
Ele estava tão aflito que já nem me respondeu e de repente arregalou muito os olhos.
- Porque é que tens uns olhos tão grandes? – perguntei-lhe eu divertida.
- Por favor… deixe-me… - implorou o Lobo, quase sem voz e logo de seguida abriu a boca para gritar de dor. Eu estava tão deliciada com o seu sofrimento que continuei com a brincadeira:
- E porque é que tens a boca tão grande?
- Aaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!! – gritou ele de dores.
O inevitável aconteceu e o Lobo Mau borrou-se pelas pernas abaixo. Ao ver isto soltei uma maléfica e sonora gargalhada:
- Muahahahahah!
Mas quando me chegou ao nariz o cheiro nauseabundo do que tinha acabado de acontecer, abri a porta para ralhar com o porcalhão.
Para mal dos meus pecados logo tinha de ter o azar de abrir a porta no exacto momento em que o Lobo Mau inspirou fundo de boca tão aberta que fui imediatamente engolida.

Ao contrário do que se conta por aí, o Lobo Mau, que afinal queria ser bom, não se limitou a engolir-me inteira:
- Ahhh que pitéu! Nunca deveria ter deixado de ser carnívoro. – disse o Lobo enquanto esfregava a barriga com ar satisfeito.
O Lobo Mau mastigou-me e digeriu-me até ao FIM!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A SOMBRA




Grito
Por não saber como agir
Choro
Por tanto sentir
Sinto
Que me perco
Sinto
Que tudo é incerto
E só a certeza de que tudo tem um fim
Me acalma a Alma

Falta-me o ar
A vista turva-se
Oiço vozes
Mesmo sabendo que estou só
E tremo…
De frio
De medo
E chamo…
Por ti
Por mim

Choro um rio
Onde me perco
Por tempo indeterminado
Num caminho incerto

Sinto-me desaparecer
Sinto-me uma sombra do que poderia ser
E deixo-me ir
Sempre é melhor do que sentir

Fico quieta à espera
Que algo ou alguém
Me venha aliviar deste aperto
Deste cerco cerrado onde me perco
Que me venha despertar
Que me venha assombrar

Assombra-me

BREU




Fecho-me no meu casulo
De onde não saio
Por nada nem por ninguém
Sinto-me seguro
Neste meu Mundo Sombrio
Que criei só para mim
Sem orgulho nem brio
Escuro como breu

Odeio a claridade, fere-me os olhos
Prefiro a obscuridade desta solidão
Assim não tenho que me justificar
Não tenho que viver uma mentira
Vivo uma verdade merdosa
Mas que é só minha
Que não se aninha
Que não se acomoda

Estamos fora de moda
Mas o que é que isso importa?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O 1º beijo



Estava uma noite de Inverno daquelas horríveis que toda a gente detesta, excepto Vicente, um rapaz de 13 anos, que adorava a chuva, a trovoada e acima de tudo o vento frio que lhe ia batendo na cara, à medida que iam avançando. Vicente estava sentado na parte de trás do carro, com o pai a conduzir e a mãe ao seu lado, assustada. Era o segundo ataque de asma que Vicente tinha. O trânsito não os deixava avançar. Vicente tentava pensar em coisas que o distraíssem pois estava prestes a desmaiar, com o ar a mais que teimava em acumular-se no seu peito, sem querer dar a volta para sair. Quando teve consciência de que poderia morrer se não chegasse a tempo ao Hospital, lembrou-se de fazer uma lista mental de coisas que nunca tinha feito e que queria fazer. Apenas uma coisa lhe veio à ideia. Nisto, lá chegaram finalmente ao Hospital, onde Vicente teve que passar a noite a receber oxigénio e soro. No dia seguinte, já recuperado, Vicente não conseguia parar de pensar na única coisa da sua lista.
Atravessaram a imensidão do espaço quase branco, que dava um ar demasiado pálido às pessoas que ali se encontram, devido à luz artificial. A mistura de cheiros indispunha qualquer um que por ali passava. Desinfectante, éter, remédios, sangue fresco, sangue seco, doença, enfermidade. A mistura do barulho provocado pelos vários ruídos de fundo também não ajudava. Ouviam-se as sirenes desenfreadas das ambulâncias que ora chegavam, ora partiam. Os intercomunicadores tendiam a distorcer as vozes dos anunciantes e dificultavam a identificação do nome de cada doente, deixando-os ansiosos desnecessariamente. Os queixumes de cada um em relação às suas mazelas e em relação ao interminável tempo de espera. Corpos que se torciam nos bancos em que estavam sentados. Corpos que vagueavam por entre aquelas quatro paredes. Corpos que se aventuravam mais além, metendo-se pelos corredores frios e intermináveis adentro.
E é neste ambiente doentio que os doentes ainda se sentem pior e os seus acompanhantes, que geralmente entram saudáveis, saem dali a sentirem-se ligeiramente doentes, quer psicologicamente, quer por vezes até mesmo fisicamente, quando apanham algum resfriado devido às correntes de ar que se fazem sentir, às diferenças de temperatura que variam de sala para sala e aos corredores sempre frios. Os mais azarados podem mesmo chegar a apanhar algum vírus que por ali ande à solta, sempre à espreita, sem nunca perder a oportunidade de atacar os mais fracos.
E foi à saída do Hospital, na sala das Urgências que a viu. Aquela cara laroca emoldurada por uns lindos cabelos louros e encaracolados despertaram-lhe o interesse e o desejo de concretizar aquilo que tinha passado a noite a idealizar. Ela devia ter a sua idade. Ele nem se preocupou com isso nem com o facto de ela ser uma desconhecida e os pais de ambos estarem presentes. A única coisa em que pensava e que queria fazer era dar-lhe um beijo, o seu primeiro beijo, e provavelmente, o dela também. E enchendo-se de coragem lá foi ele a correr em direcção a ela. O beijo foi atabalhoado e deveras estranho para ambos devido à novidade, à surpresa, aos gritos esbaforidos dos pais de cada um. O tempo pareceu parar para os dois jovens que, deixando de ouvir o barulho em redor, se entregaram aquele breve momento que lhe pareceu durar uma eternidade. E o sorriso com que ambos ficaram na cara, não deixou dúvidas de que aquele primeiro beijo “roubado” lhes iria ficar na memória para sempre.

(TPC de Escrita Criativa_O 1º beijo)

(TPC de Escrita Criativa – Foto_Varanda em cima de carris – História/Redução/Poema)


Varanda em cima de carris

Pode não parecer, mas esta é uma história triste, apesar de pertencer a uma bonita fotografia. É a história de um Sr. que sempre sonhou ser maquinista, mas que nunca, durante toda a sua vida, o conseguiu realizar. Adorava comboios desde pequeno e até sonhava com eles. E quando viu à venda aquela pequena casa à beira dos carris, não pensou duas vezes em se mudar para lá. Antes de fazer a mudança percebeu que faltava alguma coisa: uma pequena varanda em primeira linha com vista para os comboios. O Sr. lá arranjou maneira de conseguir uma autorização para a sua maravilhosa varanda, mas a medição foi mal feita, e a varanda acabou por ficar mesmo por cima dos carris. O Sr. estava tão entusiasmado que nem se apercebeu deste erro fatal. E, se não tivesse morrido com o susto que apanhou com o horripilante apito de aviso de um comboio que por ali tinha de passar, teria acabado por morrer com o embate deste, na sua maravilhosa varanda.

Redução


Triste
Maquinista
Sonhava
Casa
Varanda
Maravilhosa
Fatal
Morrer

Poema


Triste
sina a sua
maquinista azarado
que sonhando sonhava um sonho,
jamais realizado.
Mudou-se para uma casa,
modesta mas honesta, sem manha nem façanha,
onde não pôde deixar de faltar uma varanda airosa
de tal modo maravilhosa,
que não vendo o perigo que o iria alcançar,
a espreitar,
e o seu sonho malfadado
em perigo transformado,
acabou por fatal se tornar como o destino
e que por falta de tino,
não à partida mas sim à chegada,
deixou o sonho morrer,
sem querer,
e com ele a sua própria vida,
mal amada, bem sofrida.

sábado, 13 de novembro de 2010

A história da Sra. Indecisão




A Sra. Indecisão acordou cedo e, como de costume, vestiu um colete e uns corsários, pois nunca conseguia decidir se sentia frio ou calor. Calçou uns ténis confortáveis porque sabia que se tivesse de ir à rua iria andar a pé fosse para onde fosse porque não conseguiria decidir qual o transporte que deveria apanhar. Os pés, calejados de tanto andar, doíam-lhe, e apesar das unhas sujas e de alguns fungos que teimavam em não desaparecer devido ao descuido, não os lavou, porque nunca conseguia decidir se os devia lavar antes ou depois das suas caminhadas. De seguida penteou o cabelo que lhe dava pelos ombros, sem corte definido, com algumas madeixas, que fez por não ter conseguido escolher uma só cor, e com a sua cor natural já a aparecer nas raízes.
Estava em casa sem saber o que fazer, quando ouviu o telefone tocar, e pensou:
Quem será? Será para mim? Será engano? Devo atender ou ignorar?
A sua estatura e peso mediano deveriam pertencer a um andar decidido, mas não pertenciam e ela caminhou com passos incertos e inseguros até junto do telefone.
E ficou perdida nos seus pensamentos durante o tempo suficiente até este se calar.
Logo de seguida a Sra. Indecisão pensou:
O que faço agora? A lida da casa, vou às compras ou devo ficar junto do telefone e esperar que toque novamente?
Até que perdeu a noção do tempo todo que esteve a tentar decidir o que fazer a seguir e passou a manhã inteira imóvel junto ao telefone que não voltou a tocar, à espera, já nem ela própria se lembrava de quê.
À hora do almoço tocam-lhe à porta e a Sra. Indecisão recomeçou a ter pensamentos semelhantes aos anteriores:
Quem será? Será para mim ou será engano? Devo atender ou ignorar?
E nisto estremeceu de susto com a voz rouca e familiar que ouviu do outro lado da porta, vindo da rua:
- Sei que estás em casa! Abre-me a porta! Sou eu!
A Sra. Indecisão não foi capaz de ignorar a ordem da sua vizinha do lado e abriu-lhe a porta imediatamente.
Cumprimentaram-se e estava tudo a correr bem. A vizinha comentou a decoração da sua enorme casa:
- Que engraçado! Tens poucas coisas, mas todas com estilos tão diferentes.
A Sra. Indecisão continuou calada, até que a vizinha lhe perguntou:
- Queres ir almoçar fora?
Esta pergunta foi um verdadeiro martírio para a Sra. Indecisão, que só teve tempo de arquear as sobrancelhas assimétricas e os seus olhos estrábicos ficaram com um ar perdido e mais inseguro que o normal. E respondeu:
- Sei lá
Não imaginam o chorrilho de perguntas que a pobre coitada teve que ouvir logo de seguida:
- Mas tens fome ou não tens fome? O que queres comer? Mandamos vir ou almoçamos fora? Onde? Sítio barato ou caro? Carne ou peixe? Não me digas que já te tornaste vegetariana! E que tal Sushi? Ou tens nojo?
Isto foi demais para a Sra. Indecisão, que sem conseguir responder a uma única pergunta, deixou-se ficar imóvel sem dizer uma única palavra, e começou a roer as unhas, cada uma pintada da sua cor.
A vizinha como percebeu que não ia obter nenhuma resposta disse-lhe muito a pressa:
- Olha, já percebi que não deves estar com muita vontade de ir almoçar comigo. Falta de apetite, talvez! Deixa lá mulher, fica para a próxima. Tchau tchau! – e saiu porta fora.
A Sra. Indecisão deixou-se ficar imóvel, parada junto à porta, sem conseguir decidir o que fazer, sem conseguir sequer mexer-se, apenas a sentir os segundos, os minutos, as horas, os dias, os meses a passarem por si. Até que sentiu as duas alianças que usava sempre nos dois dedos anelares, agora excessivamente magros, caírem-lhe.

(TPC de escrita criativa - Personagem de uma só dimensão)

domingo, 7 de novembro de 2010

Ressaca



Embriagado de amor, deixei-me levar pelo teu calor humano e quando me dei conta estava perdido para sempre nesse sorriso sincero que o torna tão especial, tão bonito. Maldita sejas!... Por me tentares sem me poderes dar nada em troca. Por me atazanares o juízo. Por me teres feito sair da minha toca, do meu refúgio onde canto as minhas mágoas e encanto quem lhes presta atenção. Mas não, tinhas que vir tu e estragar tudo, invadindo o meu mundo seguro que criei somente para mim.
E agora vai-te embora! Quero ressacar sozinho!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

TORPOR



O real é dor
É vida incolor
É morte sentida
Antes da sua hora chegar
Antes da minha derradeira partida
E só me apetece chorar
Toda uma vida perdida
Por tudo o que deixo passar
Em constante torpor
...por Amor.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O dia de Natal

(TPC de escrita criativa, para uma aula que acabei por faltar...=P)

Dia 25 do último mês, a noite cai, mas a sala está estupendamente iluminada, filas inúmeras, corpos miúdos ainda mais, espalhados escrupulosamente pelo imenso armazém fabril. Este será o seu oitavo Natal, palavra conhecida da cabeça, mas estrangeira ao coração, nunca a celebrou, no seu país ninguém tem o hábito, mas o corpo sabe que algo ocorre nestes dias, as pequenas mãos brancas mexem-se sempre mais rapidamente nestas últimas semanas do ano, passam-lhe pelos dedos centenas de bonecas todos os dias, são pouco mais pequenas do que ela, após saírem da sua mão passarão por mais algumas, entrarão depois num avião, ou barco ou comboio, ela não sabe, mas sabe que do lado de lá da viagem está alguém da mesma idade que ela ou semelhante. Aqui está frio, as luzes brancas estão no tecto alto do barracão, o calor delas não chega cá a baixo, mas do lado de lá deve estar quente, o calor aconchegante de uma lareira talvez, a excitação deliciosa de uma caixa colorida há dias sentada debaixo de uma árvore, árvore que, mesmo sendo de plástico, dá vida aos sonhos dos tantos que, do lado de lá, apenas têm de rasgar o embrulho.

O sol raiou há horas, uma brisa fria escorrega-se para debaixo do edredão, ouvem-se umas vozes à distância, há uns risos de criança, uma gargalhada de homem, talvez o pai. Ele ergue-se do cartão húmido onde passa habitualmente as noites, incluindo as de Natal, apoiado no cotovelo vê a família que de repente desaparece passada uma esquina, ele come castanhas num jornal, elas têm uma boneca na mão, riam alto. Já se contam como treze as consoadas passadas na praça aqui na baixa, onde há sempre concertos à noite nestes dias, adormece enlaçado no calor de milhares de corpos dançantes, no dia seguinte desperta com um frio meias adentro, um muco que escorre silenciosamente pelo nariz, com um estômago saudoso da sopa e do bacalhau da véspera, a sopa e bacalhau que, todos os anos, circulam nos últimos minutos dos telejornais dos vários canais. Senta-se encostado a um dos grossos e quadrangulares pilares do ministério, retira o áspero cachecol do pescoço, o organismo acorda agora de vez, três ou quatro companheiros de arcada deambulam pela periferia do seu olhar, são 11 horas e há um dia quase inteiro pela frente, se é 25 ou um outro número qualquer pouco importa, aos sentidos a diferença é menos que nenhuma, o sol atrás das nuvens é igual a todos os outros sóis e nuvens de todos os outros dias com sol e nuvens, o frio é o mesmo de todos os Invernos, a fome a mesma de todas as manhãs até meio da tarde.

É loira, pele alva e imaculada, azul no olhar mas rígida nas carnes, nasceu faz meses em lugar inóspito, muitas máquinas rijas e superfícies frias ao toque, andava ela ainda nua, um corpinho frágil saltitando de mão em mão, todas escondidas dentro de luvas macias, os olhares caíam em si como se não estivessem nem ela nem eles ali, era apenas mais um de uma infinita lista de produtos a encaixar, atarraxar, terminar e empacotar numa caixa de cartão qualquer, acamada entre plásticos ligeiramente insuflados. Assim ficou na mais pura escuridão, horas a fio, acordou mais tarde numa prateleira a dois metros do chão, via sobretudo cabeças e cabelos, uma dessas cabeças apontou para ela e um homem agarrou-lhe pelo braço e voltou para dentro de uma caixa. O pesadelo da escuridão tinha voltado, a jovem loira não percebia o porquê destas viagens ocultas, ouvia vozes e passos, barulhos mecânicos e portas a bater, depois apenas silêncio, durante dias cortado só por vozes suaves, de vez em quando uma melodia doce no ar, passos delicados com requebres de tecido roçado. Um dia, de repente, vozes exaltadas, risos e canções no ar, o som de talheres e pratos, e movimento na caixa, trambolhões amparados pelas plastificadas almofadinhas de ar, e luz finalmente, branca sobretudo, mas intermitentemente também e às cores, rostos vários, sorrindo e voltados para uma criança, parecia-se com ela, loira igualmente, olhos verdes muito claros, com rasgos de transparência, brilhando com a intensidade de uma alegria especial, a boneca ergueu-se no ar, no topo das mãos suadas mornas da menina, estava quente ali, um fogo aconchegante no canto da divisão, os olhos que a fitavam, os da menina loira acima de todos, estavam repletos de uma vida que ela não havia conhecido ainda.

domingo, 31 de outubro de 2010

Morte Certa




Passava a vida a pensar na morte. O suicídio era coisa que o fascinava. De repente apercebeu-se de que iria morrer mais cedo do que pensava e só conseguia pensar em viver, já não queria morrer. Passou a viver com medo da morte que durante tanto tempo desejou. Medo, medo, medo, de perder, de cair no esquecimento daqueles de quem nunca se esquecia e desfazia-se em lágrimas chorando todas as suas mágoas. Despediu-se sem nenhum adeus porque sabia que se Deus realmente existisse teria ouvido as suas preces nos seus momentos de desespero, na altura correcta, e não só agora. E foi-se embora sem demora para não chegar tarde à sua Morte Certa!

TocArte



Carrego as minhas baterias para te carregar. Preparo-te, preparo-me e sento-me.
Toco, estremeço, vibro. Avassaladora sensação de poder quando o corpo se deixa comandar pelo cérebro, pela vontade. Os membros entram em modo automático e parecem ganhar vida própria e eu própria me sinto outra. E (re)toco, (re)estremeço, (re)vibro até me cansar, até à plena satisfação alcançar.
Sou corpo, movimento, vida e sigo as batidas do coração; do meu, do teu, de quem me quiser ouvir, de quem me estiver a sentir e sinto liberdade quando o meu corpo se funde com o instrumento sem entraves, sem atrasos, sempre no tempo, mesmo em contratempo e sinto que marco, que dou horas como um relógio sempre certo, que nunca se atrasa nem se adianta. Toque mecânico mas ao mesmo tempo humano. Físico, espiritual e agradável de ouvir, perfeito para tocar, real para sentir, se não for nada mal.
Tocar bateria é uma arte e como outra qualquer requer paixão, dedicação, vocação, razão de viver, de tocar pela Arte _ TocArte!

domingo, 24 de outubro de 2010

Lágrimas



Calo-me e fico a ouvir tudo o que tens para me dizer. Começo a sentir os olhos a picar e tento conter as lágrimas que teimam em saltar cá para fora e em rolar pela minha face pálida abaixo, que sinto enrubescer repentinamente. Tudo o que te oiço contar são verdades, nada mais do que verdades. Limpo a cara molhada e paro um pouco. Ambos respiramos fundo enquanto tu também fazes uma pausa no teu intenso discurso. Recomeças a falar e eu a chorar novamente sem me conseguir controlar. Peço-te que pares, pois já não aguento com dores no estômago de tanto rir.
Só tu… para me fazeres recordar os bons velhos tempos!

domingo, 17 de outubro de 2010

Quem dança seus males espanta




Por vezes não sei o que faço nem para onde vou. Mas aventuro-me, pois não quero nunca arrepender-me do que não fiz. Tenho tido sorte. Aparece sempre uma mão desconhecida que me guia e me leva pelo caminho certo, no tempo certo, e me conduz com os passos correctos. A mão desconhecida depressa se transforma em cara amiga e logo aparece outra e mais outra e tudo se repete. O espírito de convívio, partilha, união e alegria tornam cada momento mágico, cada música única, cada dança especial, cada par ímpar. Dou voltas e voltas e voltas e mais voltas sem parar, até me cansar. E quanto mais me canso fisicamente, mais a minha mente se solta e se liberta de tudo aquilo que a aperta. Uma espécie de terapia que me deixa de corpo, coração e alma quentes mas de cabeça fria. Uma felicidade, euforia e energia que se apoderam de mim. É uma coisa que me fascina, é uma coisa que me encanta. Aproveito e digo alto e a bom som para toda a gente ouvir: Quem dança seus males espanta!

Esta é dedicada ao Tradgang_AZUL

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ESTRANHOS




Parece que só me conheces quando estamos sós
Mas já nem a sós sinto que sejamos nós
E por isso talvez não me conheças assim tão bem
Nem eu a ti, tu que és não sei quem
Não me queres bem
Se não tal coisa não me farias
Pois se me conhecesses saberias o mal que me fazes
Sempre que me deixas
Sempre que me abandonas
Sozinho entre estranhos
Acompanhado por pessoas
Que não são mais do que sombras
Para mim e quem sabe também para ti
Parecem-me apenas ondas, num agitado vai e vem
E por isso talvez não te conheça assim tão bem
Mas será mesmo que alguém poderá conhecer realmente alguém?
Quando descobrir aviso
Com o meu enorme sorriso a acompanhar
Não compreendo esta minha ânsia de contigo as minhas coisas querer partilhar
Não te conheço e penso que tu também não
E por isso não te peço perdão
Peço-te apenas que me confesses
O desprazer que sentes quando estamos sós
Espero que isto fique só entre nós, por enquanto
Porque entretanto irei arranjar maneira de ficar só, acompanhado assim
Por mim, não por ti
Por ti tenho pena
Por ter errado tão prontamente afirmando algo que desconhecia
Porque a ti não te conheço eu assim tão bem
Errar é humano mas nunca fez bem a ninguém
Estranhos é o que na realidade somos
E nada mais poderemos vir a ser
E se sempre ouvi dizer “antes só que mal acompanhado”
Só agora percebi o seu verdadeiro significado

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Cuidado com o que desejas




Estava que nem podia. Doía-lhe aqui, ali, em todo o lado. Eram dores de cabeça e dores no pescoço, malditas palpitações e taquicardia, pontadas que mais pareciam facadas em vários ossos do corpo.
Passou por vários médicos e fez todo o tipo de exames que se recusavam a acusar o que quer que fosse. Tinha imensas dúvidas e fazia sempre inúmeras perguntas mas a reposta era sempre a mesma: “Lamento mas não posso fazer nada, devem ser nervos”.
As dores aumentavam e pareciam espalhar-se agora pelo corpo inteiro. Sentia alterações do ritmo intestinal, da digestão, da pele que parecia envelhecer de dia para dia, dos cabelos que se tornavam fracos, grisalhos e sem brilho, das unhas cada vez mais quebradiças, do sono, ou melhor, da falta dele e as respectivas olheiras como consequência.
Quando alguém conhecido lhe perguntava se estava melhor respondia com um:
“Nem por isso. Sinto o cérebro cansado e o coração mal disposto”.
Perdeu a energia que outrora tivera. Entregou-se ao desgosto. Só lhe apetecia chorar.
Até que um dia, num passeio por Fátima, descobriu as famosas figuras de cera milagrosas à venda. Havia de todas as formas e feitios, desde a cabeça até aos pés, passando por vários órgãos internos e externos. A primeira figura em que pegou foi numa cabeça de adulto. Depois pegou num pescoço e quando deu por sim tinha um corpo inteiro feito de cera.
Assim que chegou a casa construiu o milagroso corpo e contemplou-o na esperança de obter os resultados desejados. Pela primeira vez em muito tempo sentiu-se feliz e enquanto acendia as inúmeras velas daquele estranho corpo feito à sua imagem, desejou que todas as dores que o atormentavam deixassem de existir e o abandonassem para sempre.
Enquanto o seu novo corpo ardia, adormeceu e não acordou mais. A casa pegou fogo, o fumo asfixiou-o e o seu desejo tornou-se realidade.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Rise&Shine




A casa está imunda. O cheiro nauseabundo provoca-me vómitos. Uma mistura de pó, restos de comida, lixo espalhado por tudo quanto é lado, o cheiro a gato, a podridão. Não há nenhum objecto limpo à vista, nenhum bocado de chão nem de parede com a cor original. Até o tecto está manchado de humidade, sujidade, casulos de bicharada porca que aproveita aquele espaço para procriar. Assusto-me com o voo repentino de um dos inúmeros gatos que vagueiam por todo o lado; no chão, em cima dos móveis, em cima dos sofás, na mesa de jantar. Vejo-o a um canto a deliciar-se com o pitéu que acabou de caçar e sinto uma repulsa enorme que me faz querer gritar e fugir, mas sinto-me paralisada e solto um grito mudo. Estou presa e não tenho por onde escapar.
Acordas-me com beijos. Abraço-te. Obrigada por me tirares do meu mundo imundo e me trazeres de volta à realidade… sempre!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Rest In Pain



Estranha sensação, a de saber que vou parar o corpo e a mente indeterminadamente. Poderia tentar contrariar esta inércia que se apodera de mim, esta maldita entrega ao vazio, mas não sinto nem coragem nem força para tal. Por isso vou-me fechar na minha concha até recuperar a energia suficiente para enfrentar o mundo novamente. Paro de escutar, de olhar, de viver, para passar a sobreviver. E ao adormecer finjo que morro, morrendo de tédio e de desgosto por ser um ser tão fraco, demasiado sensível ao visível e ao invisível. Sofro por tudo, por nada, por mim, por ti, e não sei porquê. Esta dor insuportável que não me deixa descansar em paz é bem capaz de me levar à puta da loucura.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A.M.A.R.?!




Ando, ando, ando, ando horas e horas a fio. Até sentir as pernas começarem a fraquejar. Até deixar de sentir tudo o que me atormenta. Até me sentir só, tendo como única companhia o teu fantasma que teima em me perseguir, em me atormentar, em me fustigar o corpo e a mente. Estás longe mas sempre presente. Dou por mim junto ao mar e a única coisa que vejo é o teu olhar brilhante que desapareceu assim que te deixei escapar. Sem pensar duas vezes decido entregar-me à sua imensidão assim como me entreguei a ti. E na esperança de que me consigas ouvir, onde quer que estejas, grito: Ainda Me Amas? Responde-me! Podemos escapar os dois? Podemos desaparecer juntos? Só desta vez… E sem obter nenhuma resposta da tua parte, sinto-me a bater no fundo. Fico à espera de te reencontrar para te poder sussurrar ao ouvido: A.M.A.R.?!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

DIMENSÕES




As ligações mágicas entre as pessoas não se notam, não se vêem, não se forçam, não se criam. Existem apenas e estão lá, à espera de serem descobertas e por vezes sentidas.
Não são muito comuns ou pelo menos não é muito comum falar-se nelas e por isso têm o poder de baralhar o coração, o corpo, a mente de quem as sente.
Quando as sentimos com alguém, perdemos a noção do real pois o que se sente é diferente de tudo aquilo que já se sentiu. É como se fossemos seres diferentes que habitam outra dimensão. Mas esta dimensão é a mesma e é partilhada, sem se saber como nem porquê. É como andar aos pulos desvairados na nossa própria atmosfera, entusiasmados por finalmente alguém ter conseguido entrar. E é nesse momento que aparece uma necessidade de partilha incontrolável, um reconhecimento inexplicável, um turbilhão de sentimentos demasiado fortes e demasiado confusos para serem compreendidos e aceites de ânimo leve. A incompreensão leva à frustração, que dá lugar à desilusão e até mesmo à exaustão.
É o oposto de uma energia estável, de uma energia de Amor. Um Amor de reconhecimento, de companheirismo. Um caminhar lado a lado em passo tranquilo.
Tal como toda a loucura nas nossas vidas:
Para os loucos só a loucura faz sentido!
Para os outros nada disto faz…
Mas apesar de todos os contras, é algo libertador que nos faz sentir vivos e ligados por um Amor incondicional e infinito que me faz querer abraçar-te para sempre.

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Obrigada Di, por me abrires os olhos, a mente, o coração a novas dimensões. Por me teres abraçado assim que nasceste e por saber que jamais me irás largar. Por me teres ensinado a ganhar consciência de coisas que desconhecia e a aprender a controlar a minha energia de forma a ser feliz na loucura infinita que é a vida de todos e para todos nós.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ser (In)Diferente



A maioria das pessoas aproxima-se das outras por interesse. E seja ele qual for, dinheiro, popularidade, ilusão de verdadeira amizade, sexo, prazer, paixão, amor, poder, não desistem enquanto não conseguem obter o que querem ou até perceberem que jamais o conseguirão. Para que isso aconteça, mentem acerca delas próprias e dos outros, enganam, bajulam, consomem e deixam-se consumir. Por vezes até perdem a própria identidade numa falsidade que vai crescendo e ganhando dimensões inconcebíveis. E para quê? Para saciar a sede de beber o elixir da vida dos outros? Para obter prazer com a miséria e o sofrimento dos mais fracos?
As pessoas metem-me nojo. A mediocridade hedionda fá-las querer trepar e subir, dar passos maiores do que as pernas para poderem espezinhar, pois só assim conseguem obter o falso poder a que acham que têm direito.
Não sou melhor nem pior do que esta maioria imunda. Tenho as minhas qualidades assim como os meus defeitos. Mas felizmente não tenho necessidade de me sentir superior a ninguém. Se é verdade que todos nós temos um papel a desempenhar no mundo, acho que finalmente encontrei o meu e aceito-o, aceitando-me tal como fui, sou e serei, se algum dia o chegar a ser.
Serei diferente ou indiferente? Não sei! Sei que sou eu própria e isso chega-me.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Strange kind of Love



In that night
In that magic night
Happiness was all that I felt
The Moon staring at me
Lightning my way
The stars
The breeze, the cold breeze
Embraced me
And kept me awake
I looked up to the sky and I saw your smile
I have never been so close to you
I didn’t want to come back
That makes me feel sad
I didn’t want to wake up
That’s when my dream broke up
I was afraid of loosing you
But then I looked down and I felt happy again
My friends were waiting for me
And for the first time I faced the reality without fear
All of that disappeared
Then I missed you again
But I realized that the only way of having you was letting you go

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Play dead



Too much love will kill me
‘cause I can’t bare it on my chest
When all the belly butterflies swing up to my head
There’s nothing more I can do then play dead

So am I weak or am I strong
When I put myself aside all alone?
What is wrong with me?
What’s going on?

So many questions inside my little head
Too much love inside my fragile heart
Have you ever notice that this is tearing me apart?

I just don’t know what is worth or worse anymore
Feeling full or feeling empty
With or without the hurt that’s growing more and more

In order to avoid going slightly mad
I just…
Play dead

(Um pequeno Tributo aos Queen, à Bjork, Banksy e ao Amor, que NUNCA é demais…)

domingo, 19 de setembro de 2010

TAROT_VII_O Carro



Para a frente é que é caminho ;)

TAROT _XV_O Diabo



O calor era tanto que nem a ventoinha a rodar no tecto da sala parecia refrescar. O ar que circulava era tão quente que ela não se conseguia concentrar no trabalho que tinha à sua frente. Desligou o pc, fechou os olhos por uns momentos e adormeceu. Acordou com um arrepio. Conhecia bem aquela sensação. Já desperta, o seu corpo estremecia agora de frio, de nervoso, de medo. Ficava assim sempre que sentia aquela estranha presença junto a si. O medo passou e deu lugar a uma agradável sensação de frescura e calma. Estranho, isto não costumava acontecer. Fechou novamente os olhos e quando os abriu ali estava a figura daquela estranha presença que sentia todos os dias, à mesma hora, onde quer que estivesse, mas que nunca tinha visto até ao momento. Era um homem alto, bonito, imponente, de olhar profundo.
- Escolhi o dia mais quente do ano para nos conhecermos pessoalmente. Se te juntares a mim jamais sentirás este calor infernal novamente.
A sua voz era melodiosa, o corpo esbelto, as feições bonitas, o carisma, o ar enigmático e sexy, eram uma atracção irresistível. Ela levantou-se e caminhou na sua direcção. O homem aproximou-se dela para a beijar. Ela não se conseguia mexer e não resistindo à tentação retribuiu o beijo. Gelou… para sempre!

TAROT_XI_A Força



Preparou uma dose maior do que a habitual. Sabia o risco que corria e para ter a certeza de que não falhava ainda lhe juntou uns pozinhos mágicos. Gostava de comparar o “chuto” à própria respiração; inspira, expira, inspira, expira – enche a seringa, espeta a agulha no braço, retira um pouco de sangue, injecta.
Os tremores e os suores frios dão lugar ao calor, ao conforto, ao aconchego que ela acha que só deve ser possível sentir no ventre da mãe. É isto que imagina sempre que consome heroína. Voltar ao ventre da mãe e poder ficar lá para sempre é agora o seu maior desejo. E com a dose certa sabe que o irá realizar. Apesar de ser fraca, sente força… e nada mais importa.

TAROT_XIV_A Temperança



Encontros desencontrados, amores imperfeitos, paixões assolapadas que nunca levam a nada. Não é fácil encontrar alguém que nos compreenda, que nos preencha, que nos complete, que nos complemente.
Não se devem fazer promessas que não se podem cumprir. Não o permito nem me vou permitir a aceitar, a acreditar em palavras ditas em vão. Não as mereço… Não!
Felizmente nunca prometemos nada um ao outro a não ser a promessa de nunca nada prometer.
Não és fácil… e depois? Nada é! Se pudesse seria eu pelos dois, mas também não o sou.
No entanto, é fácil manter o equilíbrio que nos mantém juntos, unidos num só, e isso é bom, muito bom! É tudo o que precisamos para sermos felizes.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

TAROT_XVII_A Estrela




Estava a ter o pior dia da sua vida. Enquanto tomava o pequeno-almoço a mulher pediu-lhe o divórcio. O carro avariou-se no caminho para o emprego, o que o fez atrasar-se tanto que quando lá chegou foi despedido pelo chefe, que não tolerava atrasos. Enquanto arrumava as coisas para se ir embora viu que tinham chegado os resultados das análises e dos exames médicos que tinha feito. Nem sequer ficou espantado quando viu que sofria de uma doença terminal. Deitou tudo o que lhe pertencia no lixo, despediu-se de alguns colegas e foi a pé para casa. No caminho viu a chave com que jogava sempre, afixada na montra de uma papelaria. Um mendigo que estava sentado à porta estendeu-lhe a mão. Ele pegou no boletim premiado, sorriu e disse:
- Tome lá, amigo!
- Ó homem, porque é que me está a dar isto?
- Porque hoje não me pertence. Só pode ser engano.
Ambos sorriram: um à vida e à sorte, outro ao azar e à morte.

domingo, 29 de agosto de 2010

(In)dependência




Dou…
Dou tudo o que tenho sem nunca pedir nada em troca.
Dou tudo o que sou como se não houvesse amanhã.
Digo tudo o que me passa pela cabeça sem pensar primeiro nas consequências.
Digo o que me vai na alma dependendo apenas do meu estado de espírito, sem pensar na aceitação da minha frontalidade, sinceridade, entrega total, a que quase nunca, quase ninguém está habituado.
Agora paro…
Paro um pouco para pensar, e finalmente acho que estou a aprender a deixar de perder tempo com quem não quer perder tempo comigo.
Porquê?
Para quê?
Para não insistir, chatear, agarrar quem não quer ser apanhado.
Para ter mais tempo para mim, isso sim.
E sinto-me livre, mesmo estando sempre presa a algo ou a alguém.
Sinto-me livre sem o ser verdadeiramente. Aprisionada numa mente e num coração grandes demais.
(In)dependente…
Ainda não sei, mas acho que jamais o serei…

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Fingir-me de t i


A minha alma
mais esquina menos esquina
esbarra sempre em t i
és sempre a pedra onde tropeço
e a queda
é inevitavelmente
tão doce
que quero tropeçar em t i
diariamente
cair em t i
mergulhar em t i
fingir-me de t i
dentro de m i m

terça-feira, 24 de agosto de 2010

TAPARUERES



Um Filosofo do Mundo que toca e (en)canta com a sua visão calma e profunda sobre tudo;
Uma mulher menina cheia de sonhos, desenhos e contos fantásticos de Amor e de Terror;
Uma menina mulher que sabe/faz sempre o que quer e quem sabe se algum dia uma actriz poderá vir a ser;
Uma Poetisa que faz tudo na vida para (sobre)viver e para espalhar as suas palavras, a sua alegria;
Uma jovem que anda ao sabor do vento, sempre com um sorriso estampado na cara e um sentido de humor peculiar que poucos têm a sorte de ter – não esperes mais para começares a escrever as tuas revistas – espero que dêem nas vistas;
Uma mulher e três homens que apareceram e desapareceram sem deixarem rasto;
Um Mestre, Cantor e Escritor de quem não me atrevo a falar mais por em tão alta consideração o ter… só me resta agradecer!
E Eu…
Eu tenho SAUDADES nossas!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

TAROT_XVI_A Torre



Insatisfação
Frustração
Indecisão
Angústia
Paixão
Injusta
Medo
Ódio
Azar
A vida de adulto é lixada
Acaba sempre numa caixa envernizada

TAROT_XIX_O Sol



És luz
És vida
Fico triste quando estás de partida
Mas ainda mais quando me queimas com o teu calor
Vá-se lá entender o Amor!
Fazes-me Feliz
Isso ninguém me pode tirar
É tão bom Amar Amar Amar
Poderei detestar o Sol
Por seres tu a minha luz?
Ou estarei a exagerar
Por te amar tanto
Ao ponto de quase te odiar…

TAROT_IX_O Eremita



Um dia deixou tudo para trás e partiu sozinho. Farto das pessoas, da civilização, da vida agitada da cidade, da sociedade e de tudo o que de mal existe nela; injustiça, violência, abuso da autoridade, falsa liberdade. Consigo levou apenas uma candeia para lhe iluminar o caminho em noites de lua menos cheia. Andou sem parar até chegar a um monte. Começou a subir mas o monte parecia não ter fim e ele foi subindo. Há muito que tinha perdido a noção do tempo quando atingiu o topo. Olhou para baixo e viu tudo o que deixara para trás sem sentir nenhuma espécie de remorso. Estava velho. Era uma sombra do que fora, mas sentia-se em paz consigo e com o mundo, tendo como única companhia a candeia que o aquecia e lhe iluminava a alma escura e fria, tanto de noite como de dia.

TAROT_IV_O Imperador



De ideias fixas, sabe sempre o que quer e o que não quer. É egoísta e não quer ter mais responsabilidades do que aquelas que já tem. É forte mas tem medo do incerto, tem medo de crescer, tem medo de perder tudo o que já conquistou. Ser e estar acomodado é para ele o mais correcto. E vive bem assim, porque sabe e sente que tem sempre quem olhe por si e para si.

domingo, 22 de agosto de 2010

TAROT_III_A Imperatriz



Poderosa, forte, decidida, responsável, sensível, correcta mas incompleta, sem poder ter o direito de escolher dar à luz o fruto do seu amor. Sente um vazio dentro de si para sempre no corpo e na mente. Fiel ao seu amor, a Imperatriz nunca será completamente feliz.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

TAROT_O/XXII_O Louco



Dás-me música e eu danço tocada
embriagada pelo ritmo avassalador das canções que compões
Alegria
nem sei se chore se ria
Só sei que jamais iria embora
se pudesse ficar para sempre a dançar
aqui ou noutro lugar
Queria seguir-te mas tu não deixas
e avanças sozinho sem fazeres nenhuma paragem
deixando tudo à margem
deixando tudo para trás
mas terás sempre uma multidão fiel que te seguirá
para onde quer que vás

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

TAROT_XII_O Enforcado



Tinha tudo o que precisava para ser feliz: boa casa, bom emprego, bom esposa, boas relações profissionais, familiares e de amizade. Mas desde pequeno que sentia um enorme vazio. Vazio esse que foi preenchendo ao longo da vida com bens materiais. O vazio tornou-se cheio, prestes a rebentar. Enquanto tomava um banho de imersão, pegou na gilete que usava para fazer a barba, tirou-lhe a lâmina e cortou os pulsos. Queria voltar a sentir o vazio e a única maneira que encontrou para isso foi dizer não à vida, e comprando um bilhete só de ida, esvaiu-se em sangue.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

TAROT_VI_Os Enamorados



Porque será que insisto em dar importância às coisas pequenas?
Para a desilusão ser maior do que o costume?
Não sei o que será pior:
se o teu odor
se o cheiro a estrume.
Porque é que não me acostumo a dar-te o devido valor?
Talvez seja o medo do vazio,
porque na verdade nada vales
nem um intenso arrepio
que é o que sinto quando te sinto perto de mim.
Estou cansada de ficar fechada
neste espaço aperreado
em que se transforma a minha mente
sempre que me mentes.
Mesmo quando não me dizes nada
eu escrevo cem palavras.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Saudades



Da vida que não tive
da morte que ainda não chegou
do eclipse que se me escapou

Do que não vivi
do que não presenciei
do que não bebi
do que não sei

Do Sol da noite
da Lua do dia
das estrelas que poderiam trocam de lugar
caindo do céu para o mar
voando de seguida
para à sua casa voltar

De ti e da tua companhia
de quem não conheci
de quem já partiu
de quem ficou
de quem já me amou
do conforto
de não me sentir tantas vezes um peso morto

Tenho saudades minhas…

domingo, 8 de agosto de 2010

TAROT_II_A Sacerdotisa



Não tinha filhos mas era como se os tivesse. O instinto maternal era tão forte que se sentia na obrigação de ajudar todos os que a rodeavam. Desde estranhos, passando por conhecidos, vizinhos, até aos “amigos”, sem nunca pedir nada em troca. Até que um dia precisou de ajuda e viu-se sozinha. Percebeu que tinha vivido em função do bem-estar dos outros que tomando os seus gestos como garantidos nem um pequeno favor lhe retribuíram.
Partiu sozinha sem rumo certo à procura da sua melhor companheira, da sua melhor amiga, da única pessoa em quem podia confiar e com quem podia sempre contar. Partiu em busca de si própria.

TAROT_V_O Papa



(A)Deus e a tudo aquilo que desaprovo:
Intolerância, Ignorância, Ganância,
ânsia de querer sempre mais
atropelando os demais
por nunca estarem satisfeitos com o que têm
excepto com os vossos receios e medos
que dos outros nem vêem
Fanatismo do Povo:
inseguranças que são como lanças lançadas energicamente
Bem lá no fundo sinto o mundo desabar
e num desabafo, abraço a minha insignificância
e a tua falta de significado com ela.
Renego-te - Adeus!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

TAROT_XVIII_A Lua



Ela despachou-se mais cedo e chegou a casa antes da hora prevista. A casa era nova, acabada de construir, ainda não tinha electricidade. Ouviu barulhos estranhos vindos da sala. Foi espreitar, viu sombras na parede. Estou a ser assaltada, pensou. Silenciosamente foi à cozinha buscar uma faca bem afiada, a um dos caixotes por ali espalhados. A faca brilhou à luz da lua cheia. Assustou-se e deixou-a cair no chão. Os barulhos pararam. O silêncio era ensurdecedor. Encostou-se à ombreira da porta da sala à espera. Quando a primeira sombra saiu, ela espetou-lhe a faca em cheio no coração. As luzes acenderam-se, e sem se aperceberem, gritaram todos em conjunto: SURPRESA!
Ela só teve tempo de ver o olhar de pura agonia nos olhos do seu marido, que os fechava lentamente, enquanto as lágrimas lhe corriam pela cara abaixo e ambos desfaleciam nos braços um do outro.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Hino de solidão

A minha vida é uma sombra, um rabisco numa folha gasta nos cantos pelo passar dos dias, sou um grito cortado antes de o ser, nem eu o oiço, sou dedo que aponta para local que eu próprio desconheço, sinto-me penumbra em sombrio entardecer, que me resta a mim senão apenas fazer cair as palavras e deixar-me apagar no silêncio que se fala dentro de mim?, escuto um grilo que sibila ao longe, mas ele fá-lo só para si, a canção de um é sempre hino de solidão.

Num mar de ondas negras

Há aqui um silêncio tão profundo que me custa andar por entre estas paredes, como se a atmosfera desta casa estivesse cheia de água e os meus movimentos se tornassem lentos, tolhidos pela minha solidão, parece que em cada momento sinto o vazio que penetra todo este espaço, está fora de mim, está dentro de mim, está entre ambos também, em cada esquina da minha própria casa temo escorregar nas lágrimas que querem cair, esta tristeza puxa-me como a gravidade da terra, é o meu coração que me suga para dentro, e mais para dentro, vou-me encolhendo em mim, debruçando-me sobre mim, enrolando-me no meu abraço, sou caracol de dor, espiral enterrando-se na lama que se acumulou no fundo da minha alma, silêncio silêncio e solidão sem fim, a minha música parou, fui multidão que se esvaziou e agora sou somente uma praça vazia dentro de mim, sou como estrela que brilha sozinha em todo o firmamento, a minha luz não me chega, não há espelhos que me reflictam e me devolvam a mim, num mar de ondas negras como a noite é praga e maldição ser semelhante barcaça de luz, permitam-me um naufrágio e tornar-me apenas naquilo que detesto.

(Excerto d'O Génio)

Eternas almas escondidas

Talvez porque a alma seja transparente e o corpo se meça com músculos e palmos de mão, será por isso que somos sempre seres invisíveis, quem somos fica invariavelmente por mostrar, ou por dizer, porque a nossa transparência não se pinta com a cor das palavras que nos saem da boca, nem se vê na dança dos gestos que habitam o corpo, somos eternas almas escondidas, como cubos de ar fechados dentro de caixas, cativos em prisões nunca inventadas, como estátuas encarceradas em blocos de granito por esculpir. A mim nunca ninguém me viu ou verá, o que habita dentro, e que é o sonho maior do meu coração, é mundo incógnito para quem apenas olha, os cotovelos roçam na multidão, mas para esta serei sempre e só um corpo, um corpo com uma boca que grita palavras escritas em dicionários alheios, em nenhum deles encontrei eu algum dia a minha alma, nenhuma palavra foi inventada para mim, nenhuma delas nasceu de dentro de mim, todas vêm de fora e, quando as volto a lançar para a multidão, elas levam somente o meu cheiro, não aquilo que sou, o cheiro é sempre pista para algo mais, indício daquilo que talvez não se veja ainda, mas já se sabe existir, quem me vê apenas sabe que aqui estou, o meu corpo é o meu porta-voz, mas a voz que ele transporta e que é o que se esconde por dentro, essa ninguém procura, sabe-se que existo, como ou porque existo?, isso continua um mistério, como um corpo de braços abertos por detrás de um muro.

(Excerto d'O Génio)

domingo, 1 de agosto de 2010

TAROT_XXI_O Mundo



Listen to the sound
This sound of no silence
This alliance is all around us
My head is filled with everything
Laughs, Live, Joy, Happiness, People
But not everyone
Everyone else is watching us
Without any sympathy
They’re afraid to feel the same
Afraid to run and smile like a child
Emotions free
But they’re all here
Inside you & me
Giving us the pleasure of enjoying ourselves
Our company
I bleed for you and you bleed for me
So we can become blood brothers
But like no others
Cause we know what we are and what we can be
One, Two, Three
In our perfect circle
In our perfect love boat
In our perfect tree
Only us & this alliance
Without a word, without a note
But this sound of no silence

TAROT_XX_O Julgamento




Ela achava-se bela. Um dia sentou-se em frente ao espelho e só saiu de lá quando, já velha, morreu de desgosto por se ter tornado tão feia.
- Parece uma múmia!
- E é. Dizem que esteve aí sentada durante 50 anos.

TAROT_VIII_A Justiça


É sempre bom reflectir antes de tomar decisões, mas não demais…

A Sra. Indecisão acordou cedo e como de costume vestiu um colete e uns corsários, pois nunca conseguia decidir se sentia frio ou calor. Calçou uns ténis confortáveis porque sabia que se tivesse de ir à rua iria andar a pé fosse para onde fosse porque não conseguiria decidir qual o transporte que deveria apanhar. Os pés calejados de tanto andar, doíam-lhe, e apesar das unhas sujas e de alguns fungos que teimavam em não desaparecer devido ao descuido, não os lavou, porque nunca conseguia decidir se os devia lavar antes ou depois das suas caminhadas. De seguida penteou o cabelo que lhe dava pelos ombros sem corte definido, com algumas madeixas, que fez por não ter conseguido escolher uma só cor, e com a sua cor natural já a aparecer nas raízes.
Estava em casa sem saber o que fazer, quando ouviu o telefone tocar, e pensou:
Quem será? Será para mim? Será engano? Devo atender ou ignorar?
A sua estatura e peso mediano deveriam pertencer a um andar decidido, mas não pertenciam e ela caminhou com passos incertos e inseguros até junto do telefone.
E ficou perdida nos seus pensamentos durante o tempo suficiente até este se calar.
Logo de seguida a Sra. Indecisão pensou:
O que faço agora? A lida da casa, vou às compras ou devo ficar junto do telefone e esperar que toque novamente?
Até que perdeu a noção do tempo todo que esteve a tentar decidir o que fazer a seguir e passou a manhã inteira imóvel junto ao telefone que não voltou a tocar, à espera, já nem ela própria se lembrava de quê.
À hora do almoço tocam-lhe à porta e a Sra. Indecisão recomeçou a ter pensamentos semelhantes aos anteriores:
Quem será? Será para mim ou será engano? Devo atender ou ignorar?
E nisto estremeceu de susto com a voz rouca e familiar que ouviu do outro lado da porta, vindo da rua:
- Sei que estás em casa! Abre-me a porta! Sou eu!
A Sra. Indecisão não foi capaz de ignorar a ordem da sua vizinha do lado e abriu-lhe a porta imediatamente.
Cumprimentaram-se e estava tudo a correr bem. A vizinha comentou a decoração da sua enorme casa:
- Que engraçado! Tens poucas coisas, mas todas com estilos tão diferentes.
A Sra. Indecisão continuou calada, até que a vizinha lhe perguntou:
- Queres ir almoçar fora?
Esta pergunta foi um verdadeiro martírio para a Sra. Indecisão, que só teve tempo de arquear as sobrancelhas assimétricas e os seus olhos estrábicos ficaram com um ar perdido e mais inseguro que o normal. E respondeu:
- Sei lá
Não imaginam o chorrilho de perguntas que a pobre coitada teve que ouvir logo de seguida:
- Mas tens fome ou não tens fome? O que queres comer? Mandamos vir ou almoçamos fora? Onde? Sítio barato ou caro? Carne ou peixe? Não me digas que já te tornaste vegetariana! E que tal Sushi? Ou tens nojo?
Isto foi demais para a Sra. Indecisão, que sem conseguir responder a uma única pergunta, deixou-se ficar imóvel sem dizer uma única palavra, e começou a roer as unhas, cada uma pintada da sua cor.
A vizinha como percebeu que não ia obter nenhuma resposta disse-lhe muito a pressa:
- Olha, já percebi que não deves estar com muita vontade de ir almoçar comigo. Falta de apetite, talvez! Deixa lá mulher, fica para a próxima. Tchau tchau! – e saiu porta fora.
A Sra. Indecisão deixou-se ficar imóvel, parada junto à porta, sem conseguir decidir o que fazer, sem conseguir sequer mexer-se, apenas a sentir os segundos, os minutos, as horas, os dias, os meses a passarem por si. Até que sentiu as duas alianças que usava sempre nos dois dedos anelares, agora excessivamente magros, caírem-lhe.